sábado, 19 de novembro de 2011

A CAVERNA DE PLATÃO





Quero que continues e que imagines a educação ou ignorância de nossa condições humanas mais ou menos da seguinte maneira: Imagina uma câmara subterrânea como uma caverna, com uma entrada aberta para a luz do dia e penetrando um longo caminho chão abaixo. Nessa câmara há homens que lá estão aprisionados desde que eram crianças, suas pernas e pescoços presos de tal maneira que só podem olhar diretamente para a frente e nunca virar as cabeças. Atrás e acima deles queima uma fogueira, e entre a fogueira e os prisioneiros passa uma estrada em frente à qual uma parede foi construída, como uma tela nos espetáculos de marionetes, entre os operadores e a platéia e sobre a qual são mostrados os bonecos. Imagina ainda que há homens transportando toda sorte de tralha por trás da parede cortina, incluindo figuras de animais e homens feitas de madeira pedra e outros materiais, e que alguns desses homens, como é natural, conversam, enquanto outros permanecem calados.
Um estranho quadro, e um estranho tipo de prisioneiros. São tirados da vida. Pois responde: pensas que nossos prisioneiros poderiam ver alguma coisa de si mesmos ou de seus companheiros, exceto as sombras lançadas pela fogueira na parede em frente a eles? De que modo poderiam ver qualquer outra se estivessem, durante toda a vida, impedidos de moverem as cabeças? E veriam alguma coisa mais dos objetos transportados pela estrada? Claro que não. Se pudessem conversar entre Si, não suporiam que as sombras que via m eram coisas reais? Inevitavelmente! E se a parede da prisão em frente a eles refletisse o som, não achas que eles suporiam, todas as vezes em que falassem os transeuntes na estrada, que a vóz pertencia as sombras que passavam à sua frente? Forçosamente pensariam assim.
E também acreditariam que as sombras dos objetos que mencionamos eram em todos os aspectos, reais. Pensa agora no que naturalmente lhes aconteceria se fossem libertados de seus grilhões e curados de suas ilusões. Suponhamos que um deles fosse solto e subitamente compelido a levantar-se e a virar a cabeça e olhar e caminhar na direção da fogueira; todas essas ações seriam dolorosas, e ele ficaria ofuscado demais para ver corretamente os objetos dos quais se acostumava a ver as sombras. Assim, se lhe fosse dito que o que ele costumava ver era mera ilusão, e que estava neste momento mais próximo da realidade e de ver mais corretamente, porque se encontrava virado para objetos que eram maios reais, e se além disso ele fosse obrigado a dizer o que cada um dos objetos era quando lhe fosse apontado, não achas que ele ficaria perdido e pensaria que o que costumava ver era mais real do que os objetos que naquele momento lhe apontavam? E se fosse obrigado a olhar diretamente para a luz da fogueira, ela lhe machucaria os olhos, ele lhe daria as costas e se refugiaria nas coisas que podia ver, as quais pensaria serem realmente muito mais claras do que as coisas que lhe estavam sendo mostradas.
E se ele fosse arrastado à força pela ladeira íngreme e rochosa e solto só depois de chegar à luz do sol, o processo seria doloroso, contra o qual ele muito objetaria, e, quando emergisse para a luz, seus olhos seriam tão ofuscados pelo brilho que ele não poderia ver uma única das coisas que lhe diriam, agora, serem reais. Certamente não as veria, no começo. Precisaria acostumar-se à luz antes de poder ver coisas no mundo fora da caverna. Em primeiro lugar ele acharia mais fácil olhar par as sombras, em seguida para os reflexos de homens e outros objetos na água e mais tarde para os próprios objetos. Depois disso consideraria mais fácil observar os corpos celestiais e o céu à noite do que durante o dia, e a olhar par a luz da lua e das estrelas e não para o sol e sua luz. A coisa que poderia fazer por último seria olhar diretamente para o sol e observar-lhe a natureza sem usar os refléxos na água ou qualquer outro meio, mas exatamente como ela é.
Mais tarde ele chegaria à conclusão de que é o sol que produz as mutáveis estações e os anos e controla tudo no mundo visível, e é, em certo sentido, responsável por tudo que ele e seus companheiros de prisão costumavam ver. E quando pensasse em seu primeiro lar, e no que nele passava por sabedoria, e em seus companheiros de prisão, não achas que se congratularia pela sua boa fortuna e teria pena deles? Muitíssimo.
Provavelmente haveria certo grau de honra e glória a ser ganho entre os prisioneiros e prêmios de agudeza de visão para quem quer que pudesse lembrar-se da ordem de seqüência entre as sombras que passavam, e, portanto, mais capazes de prever seus futuros aparecimentos. Ansiaria nosso libertado prisioneiro por prêmios , ou invejaria o poder dos que ficaram lá? Não seria mais provável que ele preferisse, como diz Homero, ser "um servo na casa de um homem pobre" ou, de fato qualquer outra coisa no mundo, a viver e pensar como eles pensavam? Sim, ele preferiria qualquer coisa a uma vida como a deles. Mas o que pensas que aconteceria se ele voltasse a sentar-se no seu velho canto na caverna? Não seriam seus olhos cegados pela escuridão porque ele teria saído subitamente da luz do dia? E se fosse obrigado a discriminar entre as sombras, disputando com os demais prisioneiros enquanto estivesse cego e antes que seus olhos se acostumassem á escuridão – Um processo que poderia levar algum tempo – Não seria provável que ele fizesse um papelão? E os demais diriam que a visita dele ao mundo superior lhe arruinara a vista, e que não valia a pena nem tentar a subida. E se alguém tentasse libertá-los e levá-los para cima, eles o matariam se pudessem nele por as mãos.
Agora este símile deve ser ligado em toda a sua extensão com aquilo que o precedeu. O reino visível corresponde à prisão e a luz da fogueira na prisão ao poder do sol. E não te enganarias se ligasses à ascensão para o mundo superior e a vista dos objetos que nele existem com o progresso da mente para o alto, em direção ao reino inteligível.. . este é o meu palpite, que estás ansioso por ouvir. A verdade do assunto é, afinal de contas, conhecida apenas de Deus. Mas na minha opinião, pelo que ela vale, a coisa final a ser percebida no reino inteligível, e percebida apenas com dificuldade, é a forma absoluta do Bem; uma vez vista, infere-se que é responsável por tudo certo e bom, produzindo, no reino visível, a luz e a fonte de luz , e sendo, no próprio reino inteligível, a fonte controladora da realidade e da inteligência. E todos aqueles que vão agir racionalmente em público ou privadamente devem percebê-lo.
Concordarás talvez comigo, que não seria de surpreender que aqueles que vão tão longe não queiram retornar aos assuntos mundanos, e que suas mentes anseiam por permanecer entre coisas mais altas. Isto é o que devemos esperar, se nosso símile merece confiança. Nem julgarás estranho que alguém que desça da contemplação do divino para as imperfeições da vida humana cometa cincadas e faça um papelão se, enquanto ainda cego e desacostumado a escuridão circundante, for à força submetido a um julgamento nos tribunais de outros lugares sob as imagens de justiça e suas sombras, e obrigado a discutir sobre a concepção de justiça sustentada por homens que nunca viram justiça absoluta. Mas todo aquele que têm algum censo lembrará que os olhos podem ser cegados de duas maneiras, pela transição da luz para a escuridão, ou da escuridão para a luz, e que a mesma distinção se aplica à mente. Assim Quando vir uma mente confusa e incapaz de distinguir com clareza, ele não rirá levianamente, mas perguntará a Si mesmo se ela vem de um mundo mais claro e está confusa com a escuridão da qual se desacostumou, ou se está ofuscada pela luz mais forte do mundo mais claro para o qual escapou após sua ignorância prévia.

(PLATÃO: A REPÚBLICA: A CAVERNA.)